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terça-feira, 21 de junho de 2011

DEVER, PODER E QUERER - Parte 5

          Conforme exposto anteriormente, o significado do dever decorre de todas as normas de conduta, humanas ou divinas. Nelas sempre se encontra subjacente o princípio do dever-ser, que se refere ao ideal do ser. Vimos que o dever-ser, em última análise, refere-se a Cristo, pois a primeira lei de que se tem conhecimento na história foi dada pela Trindade a ela mesma, na declaração do “façamos o homem à nossa imagem e semelhança”, com vistas à formação da pessoa de Cristo no ser humano e à constituição de uma família da qual Cristo é o primogênito.
            A partir da queda do homem, e em razão dela, desde que o pecado foi introduzido no mundo, essa ordem da Trindade de criação do homem à semelhança da divindade se confunde com a própria salvação do ser caído. Em um só ato Deus salva e regenera em Cristo, mediante a fé. Mas continuamos sendo salvos, enquanto existimos, pela vida de Cristo em nós. Assim, o dever-ser do propósito divino tem um caráter contínuo e se projeta na eternidade.
            No texto-base dessa série de meditações, no versículo imediatamente anterior, encontramos a seguinte admoestação da parte de Paulo: “Assim, meus amados, como sempre vocês obedeceram, não apenas na minha presença, porém muito mais agora na minha ausência, ponham em ação a salvação de vocês com temor e tremor” (Filipenses 2:12). Aí facilmente identificamos um dever. Contudo, se somos salvos do poder do pecado pela vida de Cristo em nós (Romanos 5:10), confirma-se o que já foi dito alhures de que o nosso dever-ser é Cristo. Tal princípio, ou ideal, é inatingível do ponto de vista humano, pelo que acalentadora se mostra a conclusão do verso seguinte: “Pois é Deus quem efetua em vocês tanto o querer quanto o realizar”. Temos, portanto, presentes nesse contexto os 3 aspectos que envolvem nosso proceder: DEVER, PODER e QUERER.

PODER

            O poder encerra 2 conotações essenciais: a capacidade e a permissão. Sob qualquer ótica, humana ou divina, “poder” sempre estará relacionado com um desses aspectos. No tocante à realidade espiritual, isto é, à salvação que somos instados a obter e a desenvolver, ambos os aspectos do poder encontram-se ausentes no ser humano. Não temos capacidade, nem nos é permitido desenvolvermos nossa salvação, pois Deus é quem efetua em nós tanto o querer quanto o realizar. Se é certo que não podemos conquistar, também é certo que não podemos desenvolver. A salvação do homem natural, que nasce morto (do ponto de vista espiritual) em delitos e pecados, é de iniciativa e competência do Deus Todo-Poderoso e Soberano, implicando, portanto, em ação monergista.
            Em que consiste essa salvação, ou como ela se desenvolve? Em um primeiro momento, somos salvos da condenação do pecado, mediante a fé. Nessa primeira etapa da salvação a Palavra de Deus se manifesta revelando a necessidade de MORTE, FÉ e ARREPENDIMENTO. Alguns pretensos crentes querem ficar apenas com as 2 últimas condições, e cuidam que elas são de iniciativa e competência humana. Ou seja, para que o homem pecador seja salvo ele precisa apenas crer e se arrepender, e isso qualquer um pode fazer, basta querer. Tal ensino passa longe da mensagem Escriturística, e tem conotação eminentemente humanista, dando ao ser humano poderes dos quais ele, na realidade, não dispõe. Ademais, o Evangelho de Cristo é apresentado de maneira capenga e distorcida, ao revelar a justiça de Deus na morte unicamente de um inocente. Em outros termos, é um evangelho que apresenta apenas um lado da cruz, o substitutivo, e ignora o lado inclusivo pelo qual o pecado e o pecador foram crucificados com Cristo, nisso residindo a verdadeira justiça divina. Se a Lei exige a morte daquele que pecar, e se Cristo não tinha nenhum pecado, Deus seria injusto ao colocá-lo em meu lugar, sendo eu o verdadeiro merecedor da pena.
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quinta-feira, 16 de junho de 2011

DEVER, PODER E QUERER - Parte 4

            A Palavra de Deus revela que Ele não é homem, para que minta, nem filho de homem, para que se arrependa. Ao afirmarmos que toda norma traz subjacente o axioma do dever-ser, isso inclui a ordem divina que fez lei entre a trindade. Deus não desistiu de fazer o homem à Sua imagem e semelhança. O poder legislativo divino não produz normas ab-rogatórias nem derrogatórias. O que Deus diz se cumpre, e Ele não revoga Seus decretos. Não que não tenha poder para isso, mas porque Ele é o Deus da Palavra, que vela por sua Palavra para a cumprir (Jeremias 1:12). Cristo não veio revogar a Lei divina, mas cumpri-la (Mateus 5:17). Essa lei tem sentido amplo, abrangendo tudo o que Deus dissera no Gênesis, nas leis, e pelos profetas. Tudo aponta para Cristo mesmo, pois afinal foi do agrado de Deus-Pai fazer convergir todas as coisas para o Deus-Filho, conforme lemos em Efésios 1:10 e Colossenses 1: 15 a 23.
            Quando o apóstolo Paulo afirmou que o fim da Lei é Cristo quis dar a entender que em Cristo nos tornamos cumpridores da Lei. A Lei isoladamente nada mais é do que um instrumento de revelação da pecaminosidade humana. Todos os imperativos da lei só podem ser cumpridos em Cristo. O homem, diante das exigências inatingíveis da lei, e ciente de seu estado pecaminoso, só poderá concluir como Paulo: “miserável homem que sou”. Quer dizer que a lei santa, justa e boa tornou-se morte para mim? O apóstolo explica que não, pois “para que o pecado se mostrasse como pecado, ele produziu morte em mim por meio do que era bom, de modo que por meio do mandamento ele se mostrasse extremamente pecaminoso” (Romanos 7: 12 e 13). Há que se considerar, ainda, que a lei divina exige, ou declara, a morte da alma que pecar (Ezequiel 18: 4 e 20). Irrevogável que era, como de resto todas as leis divinas, tal lei foi cumprida em Cristo, que ao morrer fez o pecador morrer juntamente com Ele, satisfazendo cabalmente todas as exigências legais, removendo o escrito de dívida que pesava contra nós, cravando-o no madeiro. A justiça de Deus foi satisfeita na cruz. Se era morte a sentença que pesava contra mim, morto fui em Cristo e justificado estou. Bem por isso a afirmação de Paulo: “quem morreu, foi justificado do pecado” (Romanos 6:7). O Apóstolo Pedro, por sua vez, revela: “Portanto, uma vez que Cristo sofreu corporalmente, armem-se também do mesmo pensamento, pois aquele que sofreu em seu corpo rompeu com o pecado” (I Pedro 4:1). O apóstolo apela para o arrependimento, para a mudança de mente ou de pensamento do pecador. Ele alerta para o fato de que nossa natureza pecaminosa foi destruída na morte de Cristo, que rompeu com o pecado, para que no tempo que nos resta, “não vivamos para satisfazer os maus desejos humanos, mas sim para fazer a vontade de Deus” (I Pedro 4:2).
            É certo que enquanto vivermos entre os homens, estaremos sujeitos às leis dos homens ("dai a César o que é de César"). Contudo, ainda que incorramos em transgressão de alguma lei terrena, ou mesmo de uma lei divina, temos a certeza de que “nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” (Romanos 8:1). Aqui não há antinomia, ou conflito aparente de normas, mas sim graça, e não podemos perder de vista que jamais alguém poderá justificar-se perante Deus pelo cumprimento da Lei (qualquer que seja), mas por graça do próprio Deus revelada na pessoa e na obra de Cristo. A graça é que nos mantém longe do erro. Por conta própria, não poderemos fazer o bem que queremos, mas sim o mal que não queremos. A graça não nos deixa viver em licenciosidade ou na libertinagem. Antes, é ela que produz em nós uma vida de ampla liberdade nos limites do amor. Ainda que erremos, continuamos sendo conduzidos pela amorosa graça no caminho apertado da salvação, que é Cristo, o qual está assentado à direita de Deus, não como nosso Juiz, mas como nosso advogado.
            O dever-ser antes da queda de Adão era vida, submissão, obediência e dependência. Nada mudou. O dever-ser é o mesmo, mas encerra características que só podemos obter em Cristo. Para obter Cristo, preciso perder a vida do “eu”. É mister morte, arrependimento (mudança de mente) e fé. Tudo isso não é conquistado pelo homem, mas é doado por Deus. Deus nos exige o que não podemos obter, para que nos seja dado por graça, e passemos a entender que esta é manifestação de Sua natureza. 
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quarta-feira, 15 de junho de 2011

DEVER, PODER E QUERER - Parte 3


            O dever-ser do homem é Cristo. Não se trata de uma imposição, mas de uma decisão da trindade, a qual certamente não alcança todos os homens, do contrário todos teriam de ser regenerados em Cristo. Se é certo que em Adão todos são gerados pecadores, em Cristo muitos são feitos justos (Romanos 5: 12 e segs.). Adão não se submeteu ao dever-ser divino. Antes, quis ser como Deus, conhecedor do bem e do mal. Isso efetivamente conseguiu, mas passou a conhecer e discernir o bem e o mal segundo sua própria ótica de homem caído, não segundo a ótica divina. Vale dizer, querendo ser como Deus, o homem se tornou um deus de si mesmo. Ele não admite a autoridade do bem nem do mal em sua vida. Antes, imagina-se um ser independente e poderoso, acima das forças do bem e do mal, acima de qualquer ser que lhe exija submissão. Alguém já disse que o homem é um ser iludido consigo mesmo. Sua natureza pecaminosa e pecatriz, que não apenas produz o pecado, mas que transmite o pecado aos descendentes, caracteriza-se pelo que DAVID KUYKENDALL identificou como a atitude de “sabe-tudo”. “O problema fundamental da pecaminosidade humana”, diz ele, “vem a ser um problema racional. A pecaminosidade implica uma maneira de pensar-se. E essa maneira de pensar-se consiste em atitude de presunçosa onisciência assumida pelo ser humano em qualquer instante quando lhe ocorra a responsabilidade de decidir-se em face de Deus. Talvez se possa dizer que o problema do pecado jaz no subconsciente. Mas a verdade é que todas as pessoas neste mundo admitem encontrar-se em condições de discernir entre o que seja bom e o que seja mau. E o caso é que tal atitude de “sabe-tudo”, residente em cada pessoa, nunca se contenta com uma atuação estritamente individual. É atitude que insiste em envolver outras pessoas” (“Nossa Identificação Com Cristo”, JUERP, p. 29).
            Ser como Deus, conhecedor do bem e do mal, foi o que seduziu o homem e o levou a pecar e a morrer, do ponto de vista espiritual. O que Deus espera do homem é muito mais que atitude. É mudança de mente (do grego “metanoia”) e disposição de espírito. O homem se indispôs com Deus e morreu espiritualmente porque não entendeu que o dever-ser que Deus lhe propusera implica submissão, obediência, dependência e fé, coisas que por conta própria ele jamais poderia produzir ou adquirir. São caracteres da divindade. Em última análise, Deus quer que o homem seja muito mais que criatura. Ele deseja fazê-lo (e efetivamente tem feito) participante da natureza divina.
            A natureza transmitida em Adão é uma natureza rebelde, desobediente, insubordinada e incrédula. O homem morreu espiritualmente em Adão. Assim, perdeu a comunhão com o Criador, e as relações interpessoais tornaram-se difíceis, desde que todos só conseguem perseguir os próprios interesses. Somos uma raça egoísta, que só enxerga o próprio umbigo. Ainda quando realizamos o que julgamos ser o bem ao próximo, estamos de olho nas nossas boas ações e nos benefícios delas advindos a nós, não tanto no próximo. Procuramos justificar-nos perante Deus e perante os homens por nossos feitos. O “eu” é esse ser egoísta (parece redundante), e o seu coração é enganoso. A religião é a expressão inócua de uma alma perversa, que só pode chegar-se até Deus quando este se torna propício, se revela e produz uma transformação em seu interior.
            Sob esse prisma, religião alguma é boa, porque não produz nada além de ilusão naqueles que dela se tornam adeptos. Assim foi com o primeiro casal da história, que para esconder o seu pecado, e por causa da vergonha do erro (a noção de nudez nada mais era do que a culpa do pecado em suas consciências), coseu folhas de figueira e vestiu tangas. Deus não aceitou a oferta, ou melhor, a vestimenta. Ao invés, deu-lhes de graça e por graça uma veste de pele, que poderia cobrir-lhes de verdade, trazendo à luz uma figura clara da oferta de morte do “Cordeiro que tira o pecado do mundo”. O homem não pode imitar a Cristo, mas ele precisa revestir-se de Cristo. Só assim ele poderá ser justificado, santificado e glorificado. A imagem e semelhança de Deus só podem ser adquiridas em Cristo. Uma vez quebrado o vaso original (que nem sequer havia sido inteiramente formado), outro vaso precisa ser criado. 
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terça-feira, 14 de junho de 2011

DEVER, PODER E QUERER - Parte 2

DEVER


            As Constituições e as Leis que regem as nações são normas de conduta que trazem explícitos direitos e deveres, e estes, implicitamente, o princípio do dever-ser. Ser e dever-ser são conceitos do filósofo alemão KANT, os quais, segundo o jus-filósofo brasileiro MIGUEL REALE, são posições diferentes, ou ângulos diferentes, do ser (pessoa humana).
            Desde que o homem foi criado (aqui vale dizer que não concordo com a idéia de que o homem é “a medida de todas as coisas”, mas creio que ele é um instrumento da realização do propósito do Criador), dele se espera uma postura ideal em relação à realidade que o cerca. No Jardim do Éden o homem foi posto como administrador do Paraíso. Além disso, lhe foram impostos limites em sua liberdade de agir, cujo escopo era levá-lo a entender onde se situava o princípio do dever-ser, ou o que ele implica, isto é, submissão, obediência, dependência no amor, marcas do caráter da divindade que o formou.
            A Palavra que Deus dera a Adão, e todas as normas subseqüentes que o Criador formulou no intuito de regular sua relação com o ser criado, trazem implícito o axioma do dever-ser. A transgressão primeira, ou o pecado original (conforme Agostinho), foi expressão de um desconhecimento do significado ou do desprezo ao postulado axiomático “não comerás”. A ordem era muito mais do que uma norma limitativa de conduta; era uma manifestação de amor; uma advertência de um Deus cuidadoso, o qual sabia que o homem não poderia conhecer o bem e o mal por sua própria iniciativa e ainda assim viver. Em outros termos, o homem não foi criado para ser independente de seu criador, nem para formular conceitos axiomáticos sob sua própria ótica, mas sim de acordo com a ótica e vontade divinas.
            De fato, a decisão da trindade não foi “façamos o homem um ser livre e independente”, mas na realidade “façamos o homem à nossa imagem e semelhança” (Gênesis 1:26). É certo que Adão foi criado à imagem de Deus (Gênesis 1:27; Gênesis 9:6). Todavia, após a introdução do pecado em sua natureza passou a gerar filhos conforme a sua imagem, segundo a sua semelhança de ser caído (Gênesis 5:3). Não apenas Sete foi gerado à imagem e semelhança de Adão. Desde Caim, Adão vem transmitindo por herança genética a sua natureza de pecador a todos os seres gerados de espermatozóide humano. Caim foi o primeiro assassino da história, o que comprova que efetivamente já fora gerado à imagem e semelhança de seu pai pecador.
            O plano da trindade não se concretizou em Adão. A figura do oleiro, que Deus revelou ao profeta Jeremias (Jeremias 18: 1 a 6), mostra claramente que Adão foi um vaso que se quebrou enquanto estava sendo feito: “Mas o vaso de barro que ele estava formando estragou-se em suas mãos; e ele o refez, moldando outro vaso de acordo com a sua vontade” (Jeremias 18:4). Aqui fica clara a obra de regeneração do pecador. Em Adão todos fomos feitos pecadores, mas em Cristo muitos são feitos novas criaturas, vasos novos, justificados e santificados para a honra e glória do Criador, desta feita gerados à semelhança de Cristo. 
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segunda-feira, 13 de junho de 2011

DEVER, PODER E QUERER - Parte 1

(“Pois é Deus quem efetua em vocês tanto o querer quanto o realizar, de acordo com a boa vontade dele” – Filipenses 2:13)

INTRODUÇÃO


            No edifício das ações humanas há 3 fundamentos indispensáveis: dever, poder e querer. Não é possível analisarmos a estrutura dos nossos atos e não vislumbrarmos um desses alicerces. É certo que muitas vezes agimos motivados por uma força externa, espiritual ou física. Podemos também agir compelidos pela força das circunstâncias. Mas, conforme veremos, não há circunstância que não esteja sujeita ao propósito divino.
            O dever abrange as normas de conduta, que impõem um “fazer” ou um “não-fazer”, e que remontam ao plano divino do “façamos o homem à nossa imagem e semelhança”, ordem dada pela trindade, conforme o beneplácito da sua vontade, a qual vinculou as 3 pessoas que dela fazem parte. Todo dever, conforme procuraremos demonstrar, traz inserto o axioma do dever-ser, desde que toda norma visa a um fim. No campo espiritual, tendo em vista o plano divino de ter uma família, não apenas criaturas, o dever-ser vincula-se a uma pessoa: Cristo. Somos regenerados por Ele, unidos a Ele na semelhança de Sua morte e ressurreição, a fim de que, por Seu Espírito que imprime em nós a Sua vida, manifestemos no corpo e nas atitudes os caracteres da Sua imagem. A glorificação do corpo será a transformação cabal da imagem do terreno no celestial. Um espírito novo e uma mente renovada são as primeiras impressões da vida de Cristo no regenerado, e são expressões do dever-ser que só alcançamos por graça do Deus Todo-Poderoso e Soberano.
            O poder diz com a capacidade e com a permissão de realizarmos algo. Vivemos em um mundo em que o homem tudo pode. O “eu” contaminado pelo germe do pecado sempre aprecia os fatos da vida, e até mesmo a teologia e a divindade, sob sua ótica humanista, de maneira que Deus sem o homem estaria perdido, e não o contrário. Sincero seremos se confessarmos (e portanto não podemos olvidar) que o homem sem Deus é que está perdido, e que aquele não apenas não tem capacidade para salvar-se, como também não detém permissão para tanto. Deus é quem salva, e a trindade está envolvida “até o pescoço” nesse processo. Nesse campo, como em todos os demais, a vontade, a iniciativa e o propósito de Deus são inteiramente soberanos.
            O querer salvar-se também é uma ilusão humanista. Vontade de querer ficar queimando no inferno quase ninguém tem. Por isso, correto é dizer que o homem não quer o inferno, mas também não pode querer, por conta própria, ser liberto de si mesmo, de sua natureza pecaminosa. A vontade do homem se movimenta nesse sentido quando Deus opera esse desejo. A graça divina no processo salvífico é plena e abrange a vontade de ser regenerado e os meios para tanto, dentre os quais se inclui a fé.
            Todos esses aspectos serão expostos, de acordo com as Escrituras, a fim de que saibamos que existe um Deus soberano cujos propósitos são eternos e não podem ser impedidos por nenhum acontecimento da história, até porque Deus foi quem escreveu o primeiro e o último capítulo dessa história, e Ele não muda o script. O Deus que escreveu a história está no controle de tudo, e Ele é o mesmo ontem, hoje e eternamente. Que o Espírito abra os olhos do leitor para o que se segue.
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sexta-feira, 10 de junho de 2011

DO PERDÃO E DO ARREPENDIMENTO - Parte 5 de 5


*    LUCAS 17: 3 e 4 - "Olhai por vós mesmos. Se teu irmão pecar contra ti, repreende-o e, se ele se arrepender, perdoa-lhe. Se pecar contra ti sete vezes no dia e sete vezes no dia vier ter contigo e disser: Arrependo-me; perdoa-lhe". Aqui, Jesus já trabalha com a hipótese do irmão repreendido e arrependido.  O número 7 representa totalidade. Se houver arrependimento total, também deve haver perdão total. Não apenas total, mas também ilimitado e infinito, porquanto em outra passagem, Jesus deixa claro que o número 7 poderá ser multiplicado por 70, caso haja necessidade. Vale dizer: enquanto houver arrependimento, deve haver perdão.
*    ATOS 2: 37 e 38 - "Ouvindo eles isto, compungiram-se em seu coração e perguntaram a Pedro e aos demais apóstolos: Que faremos, irmãos? Disse-lhes Pedro: Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para perdão dos pecados. E recebereis o dom do Espírito Santo". Eis aí um resultado impressionante da pregação da Palavra. Aquelas pessoas estavam dispostas a receber o dom de Deus e a conhecê-lO, de maneira que buscaram orientação sobre como isso poderia ocorrer. O caminho não poderia ser outro: arrependimento; e, como conseqüência, perdão, inclusão no Corpo, e participação da natureza Divina.
*    ATOS 3:19 - "Arrependei-vos, pois, e convertei-vos, para que sejam apagados os vossos pecados, e venham assim os tempos de refrigério pela presença do Senhor". (Não há necessidade de comentários).
*    ATOS 26:20 - "Antes anunciei, primeiramente aos que estão em Damasco e em Jerusalém, e por toda a terra da Judéia, e aos gentios, que se arrependessem e se convertessem a Deus, fazendo obras dignas de arrependimento". (Não há necessidade de comentários).
*    I JOÃO 1:9 - "Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados, e nos purificar de toda a injustiça".  Deus é fiel e justo, independentemente do que somos ou do que fazemos. Todavia, sua fidelidade e justiça em nos perdoar estão condicionadas à confissão dos nossos pecados. Obviamente, não pode haver confissão sem prévio arrependimento, do contrário haverá mera declaração de pecados, não confissão.

CONCLUSÃO
            Deus quer que perdoemos aos nossos semelhantes como Ele, em Cristo, nos perdoou. Isso implica perdão ilimitado (sem discriminação ou classificação de ofensa), infinito (sem prazo de validade ou tempo de duração), imerecido (não depende dos méritos de quem nos ofendeu), total (quantas vezes for necessário), mas também condicionado à atitude de arrependimento do devedor. Quando houver esse tipo de perdão em nós, haverá também testemunho de que efetivamente fomos perdoados em Cristo.
            É que esse padrão do perdão Divino em Cristo só podemos adotar e exercitar se Cristo for a nossa vida. Não temos condições, por nós mesmos, de perdoar de tal maneira completa e definitiva. A Bíblia parece nos mostrar que, qualquer espécie de perdão que fique aquém do padrão Divino é negociação, embuste, ilusão, que trará mais prejuízos para o ofendido do que para o ofensor. Por outro lado, se formos além disso, isto é, se estabelecermos um padrão de perdão acima do padrão Divino, como, por exemplo, o de perdoar até mesmo a quem não se arrependeu e não suplicou perdão, talvez tenhamos algum benefício na terra, mas certamente não teremos nenhum a mais no Céu. Perdoar a quem não se arrepende pode trazer benefício psicológico e social, mas não trará benefício algum em nível espiritual. Este, sempre teremos quando intercedermos pelos nossos devedores, para que Deus os perdoe, não apenas pela falta cometida, mas por todos os pecados, em Cristo.  Devemos interceder, outrossim, para que, ainda que não nos seja possível exercitar o perdão por falta de arrependimento do ofensor, não haja ressentimento em nosso coração.
            Deus é o único que pode levar qualquer pecador ao arrependimento, para perdão e salvação eterna. Portanto, devemos pensar no perdão na terra com os olhos no Céu, porque só o perdão Divino e o perdão humano no padrão Divino produzem efeitos na eternidade futura.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

DO PERDÃO E DO ARREPENDIMENTO - Parte 4 de 5


*    SALMOS 86:5 - "Tu, ó Senhor, és bom e pronto a perdoar, e abundante em amor para com todos os que te invocam". A bondade do Senhor beneficia, ainda que indiretamente, a todos os homens. Ele faz nascer o sol  e descer a chuva sobre justos e injustos. Nada obstante, somente aqueles que O invocam sabem o quanto Ele é bom, abundante em amor, e pronto a perdoar.
*    ISAÍAS 55:7 - "Deixe o ímpio o seu caminho, e o homem maligno os seus pensamentos. Converta-se ao Senhor, que se compadecerá dele, e torne para o nosso Deus, pois grandioso é em perdoar". Deus revela o quanto é compassivo e grandioso em perdoar para que o pecador saiba que o arrependimento não é vão. Trata-se de um estímulo para que o homem mal se arrependa, isto é, deixe os seus pensamentos, mude de mente (do grego metanoia), converta-se, e se torne para esse Deus perdoador.
*    JEREMIAS 33: 3 e 8 - "Clama a mim, e responder-te-ei, e anunciar-te-ei coisas grandes e ocultas, que não sabes. Purifica-los-ei de toda a sua maldade com que pecaram contra mim, e perdoarei todos os seus pecados de rebeldia contra mim". Grande é o benefício de quem clama ao Senhor, de quem é colocado em posição de dependência dEle.
*    LAMENTAÇÕES 3: 41 a 44 - "Levantemos o nosso coração e as nossas mãos para Deus nos céus, dizendo: Nós pecamos, e fomos rebeldes, e tu não nos perdoaste. Cobriste-nos de ira, e nos perseguiste; mataste, não perdoaste. Cobriste-te de nuvens, de modo que a nossa oração não passa". Isso é o que acontece quando não há arrependimento. Aí nós vemos o reconhecimento do profeta de que tudo isso aconteceu porque o povo de Israel foi rebelde e não buscou o arrependimento, nem o perdão. O resultado: morte; falta de perdão; e orações impedidas.
*    MIQUÉIAS 7:18 - "Quem, ó Deus, é semelhante a ti, que perdoas a iniqüidade e te esqueces da transgressão do restante da tua herança? O Senhor não retém a sua ira para sempre, porque tem prazer na misericórdia". O Deus do Antigo é o mesmo Deus do Novo Testamento. Aí Ele revela, através do profeta, que o Seu perdão é infinito, por causa de sua misericórdia, na qual Ele se apraz.
*    MATEUS 18:15 - "Ora, se teu irmão pecar contra ti, vai, e repreende-o entre ti e ele só. Se te ouvir, ganhaste a teu irmão. Mas, se não te ouvir, leva contigo um ou dois, para que pela boca de duas ou três testemunhas toda a palavra seja confirmada. E, se não as ouvir, dize-o à igreja; e, se também não ouvir a igreja, considera-o como gentio e cobrador de impostos". Vemos qual o procedimento recomendado por Jesus para com aqueles que se dizem irmãos e que pecam contra nós. Se depois de tudo isso ele (o suposto irmão) não der ouvidos, devemos considerá-lo não mais como irmão, mas como gentio, isto é, como incrédulo. Isto porque não houve arrependimento, fato que nos desobriga de exercitar o perdão.
*    MATEUS 18: 23 a 35 - "Por isso o reino dos céus pode ser comparado a certo rei que quis ajustar contas com os seus servos. E começando a fazê-lo, trouxeram-lhe um que lhe devia dez mil talentos. Não tendo ele com que pagar, o seu senhor mandou que ele, sua mulher e seus filhos fossem vendidos, com tudo o que tinha, para que a dívida fosse paga. Então aquele servo, prostrando-se, o reverenciava, dizendo: Senhor, sê generoso para comigo e tudo te pagarei. Então o senhor daquele servo, movido de íntima compaixão, mandou-o embora e perdoou-lhe a dívida. Saindo, porém, aquele servo, encontrou um dos seus conservos que lhe devia cem denários. Lançando mão dele sufocava-o, dizendo: Paga-me o que me deves. Então o seu companheiro, prostrando-se a seus pés, rogava-lhe: Sê generoso para comigo e tudo te pagarei. Ele, porém, não quis. Antes, foi encerrá-lo na prisão, até que saldasse a dívida. Vendo os seus conservos o que acontecia, entristeceram-se muito e foram relatar ao seu senhor tudo o que sucedera. Então o seu senhor, chamando-o, lhe disse: Servo malvado, perdoei-te toda aquela dívida, porque me suplicaste. Não devias tu igualmente compadecer-te do teu companheiro, como também eu me compadeci de ti? Assim, encolerizado, o seu senhor o entregou aos verdugos, até que lhe pagasse tudo o que devia. Assim vos fará também o meu Pai celeste, se de coração não perdoardes, cada um a seu irmão, as suas ofensas". Neste texto Jesus continua a falar sobre o perdão, agora por meio de parábola para figurar o Reino dos Céus.  A primeira coisa digna de nota é que ambos os devedores tinham uma dívida grande, sendo a do primeiro, na realidade, impagável. Dez mil talentos era o equivalente a 350.000 quilos de prata; enquanto cem denários era o equivalente a cem moedas de prata que poderiam ser pagas com cem diárias de trabalho braçal.  O senhor, em um primeiro momento, fez justiça, pois mandou vender o servo, com sua mulher, filhos e bens, para que a dívida fosse quitada. Na realidade, eram todos esses bens que lhe pertenciam. Depois que o servo se prostrou e o reverenciou, pedindo para que ele fosse generoso, pois tudo seria pago, a atitude do senhor foi de compaixão, que o levou ao perdão. Quando o servo assumiu a dívida, pediu misericórdia e se dispôs a pagar, a dívida foi paga, não em moeda equivalente, mas por remissão. Apesar de tão grande perdão, o servo impiedoso, já perdoado, foi cobrar uma dívida de um conservo, portanto de alguém semelhante a ele, a qual era muito menor do que aquela que ele devia  ao seu senhor.  Sua atitude foi injusta; não por ter cobrado, mas por ter lançado mão do devedor para o sufocar, sendo que seu único direito em relação ao devedor era o próprio crédito. Ele começou errando pelo meio abusivo de cobrança. Depois, embora o conservo tenha tido a mesma atitude que ele, isto é, de se humilhar, reconhecer a dívida, clamar por misericórdia, e se dispor a pagar, o servo malvado encerrou o seu companheiro na prisão, até que saldasse a dívida. A atitude foi impiedosa, porque em se tratando de dívida pecuniária, deveria ser cobrada em pecúnia, não pela restrição da liberdade do devedor. Assim, o senhor daquele servo impiedoso usou, posteriormente, do mesmo expediente, encerrando-o na prisão, à mercê dos verdugos, ao saber de sua atitude injusta para com seu conservo. Como está escrito, “quem faz injustiça receberá em paga a injustiça feita” (Efésios 3:25-a). Concluímos que, havendo arrependimento, haverá perdão, porque o senhor, figura do próprio Deus, é rico em compaixão e grandioso em perdoar. Porém, se perdoados de uma dívida impagável, a exemplo da dívida do pecado, não usarmos desse mesmo expediente para perdoar a quem se aproxima de nós arrependido, seremos entregues aos "verdugos espirituais" para cobrança dessa intransigência. Havendo crédito em nosso favor, devemos cobrá-lo por meio da repreensão. Havendo arrependimento e confissão, devemos perdoá-lo por meio de desinteressado perdão. 
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CONTINUA...

quarta-feira, 8 de junho de 2011

DO PERDÃO E DO ARREPENDIMENTO - Parte 3 de 5

PERDÃO CONDICIONADO AO ARREPENDIMENTO
             
          Não há perdão sem dívida, portanto Deus só perdoa àquele que se reconhece devedor. Conquanto o perdão Divino seja imerecido, infinito e ilimitado, ele não é incondicional. Deus só perdoa ao faltoso que reconhece o seu erro; ao pecador que é convencido de seu pecado, e dele busca libertação. Eis porque a primeira coisa de que somos convencidos pelo Espírito Santo é do nosso próprio pecado, da nossa incredulidade, indignidade e perdição. Sem arrependimento (que implica mudança de mente), confissão, e súplica, não há, pois, o perdão.
            No Antigo e no Novo Testamento tal realidade está patente, de maneira que sempre que Deus perdoa alguém, este alguém está em atitude de arrependimento, portanto carente de perdão. Isso porque o perdão é medida não apenas remissiva, mas também educativa, disciplinadora, corretiva. Ademais, se não fôssemos levados a uma atitude de arrependimento e de súplica de perdão, seria o perdão realmente necessário? Se o arrependimento não fosse a conditio sine qua non para o perdão, teria Deus feito o ser humano suscetível ao arrependimento? Para que existiria tal sentimento se o perdão fosse concedido incondicionalmente? Certamente, o arrependimento é o bilhete de ingresso nas recâmaras do perdão Divino.
            Passaremos a analisar, no Antigo e no Novo Testamento, a estreita relação entre arrependimento e perdão.

*    II CRÔNICAS 7:13 e 14 - "Quando eu cerrar os céus, e não houver chuva, ou ordenar aos gafanhotos que consumam a terra, ou enviar a peste entre o meu povo; SE o meu povo, que se chama pelo meu nome, se humilhar, e orar e buscar a minha face, e se converter dos seus maus caminhos, então eu ouvirei dos céus, e perdoarei os seus pecados, e sararei a sua terra" (destacamos). Deus faz a ferida, e Ele mesmo a sara, é o que fica evidente nessa revelação de Deus a Salomão. Anos depois, o profeta Oséias declarou essa verdade: "Vinde, e tornemos para o Senhor. Ele nos despedaçou, mas nos sarará; fez a ferida, mas a ligará" (Oséias 6:1). Todavia, o perdão dos pecados e a cura da ferida dependem de arrependimento. "Se" funciona aí como conjunção condicional. Se o povo se humilhar, orar, buscar a face do Senhor e se converter dos maus caminhos. É mister, pois, uma mudança de mente, de postura e de direção.
*    ÊXODO 34: 5 a 9 - "O Senhor desceu numa nuvem e, pondo-se ali junto a ele, proclamou o nome do Senhor. Passando o Senhor perante Moisés, proclamou: Senhor, Senhor Deus misericordioso e compassivo, tardio em irar-se e grande em beneficência  e verdade, que usa de beneficência com milhares, que perdoa a iniqüidade, a rebeldia e o pecado. Contudo, ao culpado não tem por inocente; castiga a iniqüidade dos pais sobre os filhos e sobre os filhos dos filhos até a terceira e quarta geração. Então Moisés imediatamente se inclinou à terra, e adorou, dizendo: Senhor, se agora achei graça aos teus olhos, vá o Senhor no meio de nós. Embora este seja povo de dura cerviz, perdoa a nossa iniqüidade e o nosso pecado, e toma-nos por tua herança". Se não houvesse a revelação de que Deus não tem por inocente o culpado, talvez Moisés nem tivesse se preocupado em pedir perdão em nome do povo, já que Deus é também reconhecido com tardio em irar-se e grande em beneficência. Moisés intercede pelo povo porque reconhece que se trata de povo de dura cerviz, portanto carente da graça e da presença do Senhor.
*    I REIS 8: 33 e 34 - "Quando o teu povo Israel for ferido diante do inimigo, por ter pecado contra ti, e se converter a ti, e confessar o teu nome, e orar e suplicar a ti nesta casa, ouve tu então nos céus, e perdoa o pecado do teu povo Israel, e faze-o voltar à terra que deste a seus pais". Salomão declara aí, em forma de pedido, o que Deus já lhe revelara antes, no texto que lemos de II Crônicas. Sem mudança de mente e de postura; sem conversão, confissão e súplica não pode haver perdão, é o que fica claro também nessa passagem.
*    SALMOS 25:11 - "Por amor do teu nome, ó Senhor, perdoa a minha iniqüidade, pois é grande". Eis aí a confissão e súplica de um arrependido de si mesmo. Trata-se do Rei Davi, um homem segundo o coração de Deus, que ainda não tinha o coração de Deus. A iniqüidade nada mais é do que a natureza pecaminosa, o pecado (no singular), que ainda não havia sido perdoado em Cristo.
*    SALMOS 32: 1 a 5 - "Bem-aventurado aquele cuja transgressão é perdoada, e cujo pecado é coberto. Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não atribui pecado, e em cujo espírito não há engano. Enquanto me calei, envelheceram os meus ossos pelo meu bramido o dia todo. Pois de dia e de noite a tua mão pesava sobre mim; o meu humor se tornou em sequidão de estio. Confessei-te o meu pecado, e a minha maldade não encobri. Disse: Confessarei ao Senhor as minhas transgressões; e tu perdoaste a culpa do meu pecado". Pecado confessado e perdoado é vida para o espírito antes afastado de Deus. Quando nos calamos e não confessamos o que somos e o que fazemos ao Senhor, o espírito fica abatido, a alma enferma, e o corpo doente, por causa da culpa do pecado que nos consome, inclusive ao nosso próprio humor. Por isso, feliz é aquele a quem o Senhor não atribui pecado, e em cujo espírito não há engano, porquanto vivificado pelo Espírito da verdade. 
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terça-feira, 7 de junho de 2011

DO PERDÃO E DO ARREPENDIMENTO - Parte 2 de 5

PERDÃO INFINITO
            Um perdão que tem prazo de validade ou limite de duração é tão cruel quanto a própria falta de perdão. Isso porque quem é perdoado espera nunca mais ser cobrado pela falta cometida ou pela dívida remida. Dívida perdoada, como se diz, é dívida paga. Quando isso acontece, ou seja, quando aquele que perdoou cobra uma dívida perdoada, a conclusão lógica é que perdão efetivamente não houve. No máximo, uma moratória travestida de perdão.
            Graças a Deus, Ele perdoa, e perdoa para sempre. Não apenas nossa natureza vil, mas também os pecados dela decorrentes, cometidos sob a lei, cometidos nos tempos da incredulidade e da ignorância. Também há perdão para os pecados cometidos sob a égide da graça, ainda que não os tenhamos praticado com o propósito de sermos agraciados. Aliás, pecar para que a graça superabunde é desgraça. De todos esses pecados, dizíamos nós, não há cobrança, nem lembrança: "Pois serei misericordioso para com as suas iniqüidades, e de seus pecados e de suas iniqüidades não me lembrarei mais" (Hebreus 9:12).
            Isso, porém, não implica um total descaso ou desleixo de Deus para com os Seus filhos, porque Ele disciplina a quem recebe como filho, e o Espírito Santo que em nós habita anseia por nós até o ponto de sentir intenso ciúme, sendo esse mesmo Espírito o responsável pelo constante sentimento de arrependimento de nós mesmos, bem como pelo convencimento de nossos erros e atos pecaminosos, de maneira a estarmos sempre dispostos a buscar correção de rota, a fim de alcançarmos o alvo pelo prêmio da soberana vocação em Cristo Jesus. Nada obstante, não há mais cobrança de dívida, pois esta já foi paga, de forma que nossa consciência está sendo sempre purificada de todo o pecado, através do convencimento de pecados, arrependimento e perdão constantes, tudo isso a fim de que sejamos apresentados diante do Noivo santos e irrepreensíveis, sem mácula, ruga ou coisa semelhante.


PERDÃO IMERECIDO
            É fácil concluir que um perdão assim, ilimitado e infinito, não é decorrente de nossos próprios méritos. A única coisa que merecíamos era a condenação, a qual foi justamente aplicada a partir da transgressão de Adão, e atingiu a todos os seus descendentes. Assim, se Deus perdoa a alguns homens em Cristo, justificando-os pela fé no Evangelho que Ele mesmo concede por graça, concluímos que tal perdão é decorrente de Seu amor, de Sua bondade, de Sua misericórdia. Não somos perdoados porque somos bons, mas porque Deus é bom. Não há nada em nós que pudesse chamar a atenção de Deus e O compelisse a perdoar, exceto o nosso pecado e a nossa desobediência. Esses são os fatores que levaram o Deus de toda misericórdia a usar de misericórdia para conosco.
            Interessante é que Deus mesmo encerrou a todos debaixo da desobediência, a fim de usar de misericórdia para com todos os que O recebem. Em outros termos, não há ninguém mais justo; na verdade, não há nenhum justo; todos carecem da misericórdia Divina para alcançar o perdão que há em Cristo. Vale frisar que todos os homens são iguais perante Deus, pois estão na mesma situação: pecadores, miseráveis, indignos, carentes da misericórdia, da graça e do perdão Divinos.
            Quando Deus nos alcança com o Seu perdão, e nos salva da perdição, reconhecemos que a única motivação para tanto foi a Sua própria misericórdia, motivada pela nossa miserável condição: "Outrora nós também éramos insensatos, desobedientes, extraviados, servindo a várias paixões e prazeres, vivendo em malícia e inveja, odiosos e odiando-nos uns aos outros. Mas quando apareceu a benignidade de Deus, nosso Salvador, e o seu amor para com os homens, não por obras de justiça que houvéssemos feito, mas segundo a sua misericórdia, ele nos salvou mediante a lavagem da regeneração e da renovação pelo Espírito Santo, que ele derramou ricamente sobre nós, por meio de Jesus Cristo nosso Salvador" (Tito 3: 3 a 6).
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segunda-feira, 6 de junho de 2011

DO PERDÃO E DO ARREPENDIMENTO - Parte 1 de 5

"Antes, sede uns para com os outros benignos, compassivos, perdoando-vos uns aos outros, como também Deus vos perdoou em Cristo" (Efésios 4:32)

INTRODUÇÃO
            Não há dúvida de que o perdão é um dos temas mais polêmicos no universo das relações humanas. Ele está diretamente relacionado com a culpa que permeia os relacionamentos interpessoais e que é causa de grandes rupturas na rede familiar e social. Sempre que o perdão é retido, a culpa cumpre com o seu papel desagregador, minando o ânimo, a resistência, e os sentimentos que deveriam aproximar as pessoas.
            O perdão é uma virtude importante para a humanidade, sendo premente que o entendamos e o coloquemos em prática de maneira correta. Nada obstante, só pode entender e praticar devidamente o perdão quem tiver vida cristã autêntica, porque ninguém entende melhor de perdão do que Cristo, o Filho de Deus, que deu a própria vida à morte de cruz para remir o pecado de miseráveis e indignos pecadores, dentre os quais me incluo. Cristo não apenas nos deu exemplo de como perdoar, mas revelou-se Ele mesmo a única fonte de perdão autêntico e desinteressado. Bem por isso, falando a cristãos, o apóstolo Paulo nos mostra qual o padrão de perdão que devemos pôr em prática. Vale dizer, assim como Deus nos perdoou em Cristo, devemos nós perdoar aqueles que nos ofendem. Então, para entendermos como deve ser o nosso perdão, é mister que saibamos como Deus nos perdoou em Cristo.
            Para usar a expressão de BRIAN EDWARDS, o perdão Divino é ilimitado, infinito e imerecido, mas não é incondicional, porque pressupõe arrependimento de quem a ele recorre. Analisaremos, portanto, tais aspectos do perdão de Deus em Cristo, a fim de que procuremos ter essa mesma disposição em nosso viver diário.
PERDÃO ILIMITADO
            Aspecto inolvidável do perdão ofertado por Deus em Cristo é que ele não conhece limitação. Deus não perdoou apenas algumas de nossas ofensas, mas todas as nossas ofensas: "E a vós outros que estáveis mortos nos vossos pecados, e na incircuncisão da vossa carne, vos vivificou juntamente com ele, perdoando-nos todos os nossos delitos" (Colossenses 2:13).
            No dizer de HORATIUS BONAR, "há perdão, não somente para nossas omissões de dever, mas também para nossos próprios deveres; não somente para nossa falta de oração, mas para nossas orações; não somente por termos rejeitado a Cristo durante longo tempo, mas pelos nossos pecados aos nos chegarmos a ele; não somente pela nossa incredulidade, mas pela nossa fé; não somente pela nossa inimizade no passado, mas pelo nosso atual amor frio; não somente pelos pecados que levamos a Cristo, mas pela nossa maneira de os levar; não somente pelos pecados que levamos ao altar do holocausto, e colocamos sobre o sacrifício sangrento, mas pelo modo imperfeito de os levar, pelos motivos impuros que macularam o nosso serviço, e também pelos pecados que se misturaram em nossa adoração, quando estivermos em pé dentro do véu, no santuário onde a majestade do Santo fez a sua habitação".
            Não há, portanto, nenhum delito, ofensa, ou pecado, que não tenha sido perdoado por Deus, de maneira objetiva, através do sacrifício de Cristo. Pela oferta de Seu sangue o Cordeiro de Deus nos remiu do pecado, isto é, de nossa natureza pecaminosa herdada de Adão, bem como de todos os atos pecaminosos que cometemos neste mundo, e de todos os que porventura ainda venhamos a cometer enquanto em vida, porque "sem derramamento de sangue não há remissão" (Hebreus 9:22-b) e "o sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo o pecado" (I João 1:7-b). Em suma, há perdão em Cristo para o que somos, para o que fizemos, para o que fazemos, e para o que venhamos a fazer que seja contrário aos interesses de nosso Deus. Não há limites para o perdão Divino.
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quarta-feira, 1 de junho de 2011

A GRAÇA E A DEPENDÊNCIA - Parte 2 de 2

            A origem, o motivo, o alvo e a recompensa da vida cristã é uma pessoa: Cristo. Ele é a própria vida eterna que é gerada em nós por graça dAquele que age conforme o beneplácito da Sua vontade, de quem todos são dependentes, inclusive os que se julgam independentes. Deus nos predestinou para sermos conformes à imagem do Seu Filho, vale dizer, para sermos obedientes e dependentes, como Seu Filho; para vivermos em justiça e santidade provenientes da Verdade. Há uma alegria nisso, sem embargo da renúncia que nos é imposta. De fato, perder uma vida de dependência do pecado e ganhar uma vida de dependência da graça é um grande negócio. Trata-se de uma mudança da morte para a vida; da mentira para a verdade; da escravidão para a liberdade; do pecado para a graça. O  nascimento do Alto é o pressuposto de todas essas mudanças. Não há crescimento de um ser que ainda não foi gerado. Para alguém crescer na graça e no conhecimento de Cristo é necessário que esse alguém tenha nascido espiritualmente, que já tenha sido alcançado pela graça regeneradora, e experimentado o conhecimento pessoal do Seu salvador em Sua morte e ressurreição.
            Quanto maior for a operação da graça, maior a nossa dependência dEle, e tanto mais o conheceremos. A vida eterna é conhecê-lO (João 17:3), de maneira que vislumbramos um conhecer relacional sem limites que se projeta na eternidade futura, progredindo segundo a operação da vida de Cristo em nós. Graça e conhecimento estão intimamente enredados, de sorte que a revelação de Cristo em nós nos permite, de uma só vez, experimentarmos a Sua graça e mantermos um estreito relacionamento.
            É bem possível que, embora conhecedores da graça e de Cristo, queiramos fazer as coisas a partir de nós mesmos, e isso efetivamente ocorre. A independência e a auto-confiança são tentações nas quais fácil e despercebidamente incorremos. Ainda que caiamos nessas tentações, temos a convicção de que o processo de crescimento não sofre estagnação. Crescer na graça e no conhecimento, mais do que um imperativo ou um conselho, é o "caminho sem volta do regenerado". Isso implica dependência? Sim! É dolorido? Sim! Mas a graça da vida de Cristo em nós, a "natureza de ovelha" em nós implantada, nos faz reconhecer que não há lugar melhor do que o aprisco do Bom Pastor. Como diria o Salmista, "a Sua vara e o Seu cajado" nos consolam. Só encontramos verdadeiro descanso e consolação em Sua constante disciplina e orientação. Fora disso, só resta a ilusão de uma suposta independência, que tem levado muitos ao inferno, inclusive alguns religiosos que pensam poder entrar no Reino de Deus portadores da velha natureza adâmica, escrava do sentimento de auto-confiança e independência de Deus.
            Graça e dependência nos trazem paz e descanso. Pecado e independência trazem morte e tristeza (esta, segundo o padrão do mundo). Minha oração é que Deus revele em cada um de Seus Filhos, a cada dia mais, a pessoa do Seu Filho. Que Ele nos faça mais ovelhas e nos permita sentir a alegria de Sua presença; o descanso e a paz, a dependência e a obediência que só a natureza divina pode produzir em nós.
          No dia 07 de setembro de 1822, Dom Pedro I bradou o famoso "independência ou morte". Nos primórdios da história da humanidade, Adão optou pela "independência e morte". Hoje, eu clamo por "dependência e vida". Revela em nós, Pai, por graça, a vida de Cristo! Amém!